Comecei o estágio sem grandes expectativas. Não sabia o que ia fazer, quanto mais o que queria fazer. Mas foi sempre assim ao longo do curso. Tantas possibilidades, algumas das quais descartei logo à partida por não me despertarem interesse...e eu sempre sem saber o que fazer. Isto é, para que área me debruçar; que área escolher para estagiar e para trabalhar no futuro. Em termos de local de estágio, um hospital era das últimas opções. Passei o curso quase todo a fugir da área clínica, não só por ser aquela a que todos associam um nutricionista e por ser a mais concorrida, mas também porque os meus professores assustavam-me com aquilo que diziam em relação à clínica. Que as pessoas podiam ter várias doenças ao mesmo tempo, que podiam tomar imensa medicação que influenciasse a alimentação de alguma forma, que podiam mentir em relação ao que andavam a comer, e por aí fora. E tudo isto fazia-me pensar: Isto deve ser horrível. Nunca vou conseguir fazer isto. De tal forma que comecei a fugir desta área. Mas depois veio a cadeira de dietoterapia, e eu achei piada à coisa. Ah, olha, afinal a clínica não parece ser assim tão má. Mas continuei sem saber para onde ir, até meter na cabeça que um hospital seria, realmente, a melhor opção. E isto porque dar-me-ia a oportunidade de contactar com diversas áreas. Só assim poderia saber aquilo de que gostava.
Mas não foi muito bom, no início. Nos primeiros dias, sim, pois tinha acabado de chegar e estava ainda a entrar no ritmo e a perceber como as coisas funcionavam, pelo que não era exigido muito de mim. Mas, depois, houve algumas fases menos boas, porque não estava com grande motivação por não perceber o que podia fazer ou o que queriam que fizesse, e elas perceberam-no, perceberam que eu não sabia o que queria e tive alturas em que me passei um bocado, inclusive um dia em que saí de lá com imensa vontade de chorar. Contudo, e por incrível que pareça, uma vez que achei que todo o estágio seria um sacrifício e que não ia correr nada bem, a coisa melhorou. Consideravelmente. E que ninguém me pergunte como, porque nem eu sei responder. Não sei mesmo que raio aconteceu, mas que tudo melhorou, melhorou.
Aprendi imenso, e ganhei conhecimentos que certamente serão bastante úteis no futuro. Compreendi, finalmente, como as coisas funcionam, acabando por perceber que a clínica, afinal, não é tão assustadora como os meus professores pintavam. As coisas são feitas de uma forma extremamente prática, embora um pouco diferente daquilo que aprendi na faculdade, mas é (quase) sempre certo que a prática nada tem a ver com a teoria, o que não quer dizer que, quando trabalhar a sério, não venha a fazer as coisas da forma mais "certinha", ou seja, como aprendi na faculdade. Sim, as pessoas podem mentir e podem desleixar-se completamente, deixando uma pessoa a sentir-se um tanto ou quanto impotente por não saber de que outra forma poderá ajudá-las. Mas, lá está, o nutricionista não faz milagres, estando o sucesso dependente da pessoa. E, se ela mente e se se desleixa, o problema é dela. Vi imensos casos perdidos, em que, de facto, o melhor a fazer era "deixar andar", porque, quero dizer, não vale a pena ser de outra forma. Mas vi, também, vários casos de sucesso. E, ainda, casos chocantes.
Mas, para além de ter sido um período de crescimento a nível académico, o estágio foi, também, um período de crescimento a nível pessoal. Era impensável para mim chegar junto de uma pessoa desconhecida e começar a falar com ela do nada; era algo que me aterrorizava, acreditem ou não. Contudo, tive que o fazer ao longo do estágio, com os doentes internados, e estava mesmo nervosa da primeira vez que tive que falar com um, mas, depois, a coisa tornou-se tão banal, que, enfim. Ainda para mais, a primeira doente com quem falei só falava inglês (não me perguntem como veio ela parar aqui), por isso comecei mesmo em grande. Consegui superar-me a mim própria ao superar obstáculos como este.
E, ainda, cumpri o meu maior objectivo: descobrir-me. Descobrir aquilo de que gosto nesta área. E pode parecer algo cliché, mas aquilo de que mais gostei ao longo destes meses foi de ajudar. Ganhei gosto em ajudar, no que toca a isto da alimentação. Esclarecer dúvidas, promover a alimentação saudável, explicar o que comer e o que não comer tendo em conta a doença da pessoa e a intervenção cirúrgica a que foi submetida. E ter falado com tanta gente internada fez-me perceber isso, para além de que me sentia útil e de que o meu dia era capaz de melhorar um bocadinho por tudo isto. A princípio, até me sentia um bocado mal, por achar que estava a incomodar os doentes, mas, com o tempo, vi que eram muito poucos os que não tinham paciência para me aturar. A maioria gostava de falar, a ponto de eu ter que ficar junto deles durante imenso tempo para ouvir uma ou outra história ou um ou outro desabafo. Gostei de conhecer doentes simpáticos e que não paravam de dar conversa, cheios de perguntas sobre a alimentação e sobre a sua situação clínica, muito interessados nestas temáticas e determinados a lutar pela sua saúde. Deu gosto conhecer senhores e senhoras que estavam impecáveis com os seus oitentas e tais, completamente orientados e a andarem de um lado para o outro e a fazerem a sua vidinha como se nada fosse (ainda há esperança num envelhecimento saudável e feliz...se bem que não era completamente saudável, uma vez que estavam num hospital e tiveram que ser operados a qualquer coisa, mas, de qualquer das formas, chegar aos oitentas e tais a falar e a andar correctamente já é uma vitória, eu acho). Achei engraçada toda a familiaridade nas enfermarias: saber o nome dos enfermeiros todos e reconhecer os doentes que ainda se mantinham por lá, de tal maneira que decorava os seus nomes, deixando de ser o doente da cama X para passar a ser o senhor não-sei-das-quantas. Achei estranho que me tratassem por doutora algumas vezes, mas, claro, também houve quem dissesse que eu parecia muito nova. E isto já é típico, mas eu até comecei a esmerar-me um bocado desde o início do estágio, precisamente para não ser confundida com uma estudante do liceu que estava num part-time para ganhar uns trocos. Maquilhar-me era impensável para mim, mas lá comecei por esse mesmo motivo - mas nada de especial, apenas base e risco preto, aos quais acrescentava o batom, que, apesar de ser de cieiro (noutras palavras, necessário), tinha um bocadinho de cor -, acabando por perceber que não servia de muito, já que continuavam a dar-me menos idade.
Em suma, ver as coisas de perto, num contexto mais real, tão diferente daquilo que me era transmitido na faculdade, fez com que me descobrisse e com que ganhasse gosto por esta profissão. Agora, não tenho dúvidas de que a área clínica é a minha área de eleição e de que é aquela onde espero vir a trabalhar.
Por tudo isto, hoje terminei o estágio com satisfação, já que todos os objectivos foram cumpridos - e a orientadora local ficou com uma melhor opinião acerca de mim e escreveu-me um parecer todo jeitoso. Aprendi, cresci, evoluí imenso, descobri-me.
E estou de férias, por fim. Aliás, acho que só me vou sentir verdadeiramente de férias quando tiver os trabalhos impressos, encadernados e prontíssimos a seguir por correio (se bem que, depois, ainda tenho o powerpoint da defesa para fazer, mas, não, não vou pensar nisso agora). Por enquanto, ainda estou à espera que a orientadora me dê luz verde para imprimir, uma vez que já está tudo feito. Mas, de qualquer das formas, deixar de ter hora para acordar e hora para ir para a cama faz com tudo seja mais descontraído, mais feliz. E nada melhor para começar as férias do que ter a casa por minha conta esta noite.