Sinopse: A Passagem é o primeiro livro de uma grandiosa epopeia pós-apocalíptica. Uma experiência científica a que o exército dos Estados Unidos submete vários homens e uma menina, para os tornar invencíveis, resulta numa catástrofe cujos efeitos têm consequências inimagináveis. Os homens submetidos àquela experiência tornam-se detentores de extraordinários poderes, mas são monstros assassinos sedentos de sangue. No primeiro volume do livro acompanhamos a sangrenta destruição que se segue à invasão dos mutantes, bem como a penosa reorganização dos sobreviventes em pequenas comunidades precárias, onde a gestão dos escassos recursos é uma prioridade. Neste cenário de devastação instala-se uma dinâmica que vai modificando as personagens e as relações que se estabelecem entre elas.
Não tenho palavras para dizer o quanto adorei estes livros. E, como gosto sempre de falar muito, mas muito sobre aquilo de que mais gosto, aviso, desde já, que este é um post longo.
A Passagem é um livro complexo, e é mesmo assim que gosto deles. Quando se lê este livro, parece que se está a ver uma série, tal é a quantidade de personagens, de enredos, de ambientes e de saltos temporais. Tal como uma série que nos é querida, quando começamos a ler o livro e a embrenharmo-nos na história, não queremos que ele acabe. E, tal como acontece com uma série, é como se estabelecêssemos uma ligação especial com as personagens, por passarmos a conhecê-las tão bem; é como se elas já fizessem parte do nosso dia-a-dia, tornando-se difícil abandoná-las quando fechamos o livro pela última vez.
Para ser sincera, só comecei a ficar completamente viciada a partir da terceira parte, quando, como se lê na sinopse, os sobreviventes à invasão dos mutantes se organizam em comunidades. Foi muito interessante ver a forma como a dita comunidade estava organizada, toda ela pensada ao mais pequeno pormenor, e foi aí que conheci personagens que me cativaram e me marcaram, para além de ter vindo a descobrir diversos enredos entre elas. Mas isto não quer dizer que as partes um e dois não tivessem sido igualmente interessantes. Muito pelo contrário.
Tudo começa com a descoberta de um vírus capaz de curar o cancro. Mas parece fazer mais do que isso: consegue proporcionar um envelhecimento extremamente lento, levando os infectados a viver durante anos e anos num corpo jovem, quase como se fossem imortais. É então que decidem testá-lo, e fazem-no em condenados à morte, uma vez que, se a coisa correr mal e os cobaias acabarem por morrer, lá está, não se perde nada. Até ao dia em que decidem testá-lo numa menina de seis anos chamada Amy - que é um mistério desde que a conhecemos. E fazem isto porquê: porque o vírus actua no timo, uma glândula situada no nosso tórax que diminui de tamanho ao longo da vida. Como Amy tem apenas seis anos, o seu timo terá um tamanho superior, pelo que o exército quer ver que efeito terá o vírus sobre ela - já que, nos condenados, não houve o efeito que se esperava, como se lê na sinopse: tornam-se numa espécie de vampiros fabricados pela ciência. Toda esta exaustiva primeira parte pode ser, assim, considerada um prólogo do livro. Digo exaustiva porque é gigantesca, mas achei-a bastante interessante. Porque gostei da ideia e porque envolve ciência. E eu gosto de ler coisas sobre ciência que não estejam em notícias, em livros de estudo ou em artigos científicos. Não sei porquê. Talvez por perceber que houve algum trabalho, em termos de pesquisa e afins, por parte de um autor. Ou talvez por eu ser da área das ciências. Enfim.
Cronin escreve muito bem, e as suas personagens estão muitíssimo bem feitas e caracterizadas. O modo como o livro está escrito faz com que a leitura seja bastante viciante, interessante e nada monótona: a narrativa não é sempre vista do ângulo do mesmo personagem e, por vezes, a história é-nos contada através de e-mails ou de excertos de livros, o que permite desanuviar um pouco da narrativa "normal". Usa, ainda, muitas analepses. Muitas, mesmo: de repente, damos por nós a visitar o passado de uma personagem, a conhecer a sua história de vida. Coisa que pode parecer palha, mas que não o é, de todo. Porque, ao conhecermos o passado de uma personagem, é como se nos tornássemos mais próximos dela, como se conseguíssemos, por fim, compreender porque age ou porque pensa da forma como faz no presente. Fez-me lembrar o Once Upon a Time, com todas estas viagens no tempo. Como se tudo isto não bastasse, Cronin sabe mexer com a nossa cabeça: faz-nos pensar que aconteceu ou vai acontecer determinada coisa - os capítulos são sempre muito bem terminados, dando-nos logo vontade de ler mais -, mas, mais tarde, revela-nos que aquilo que pensámos - ou que, em alguns casos, chegámos mesmo a acreditar - que tinha acontecido, afinal, não ocorreu de todo. E, aí, lá aparece mais um flashback para nos explicar como é que se passaram as coisas.
Achei engraçado ter descoberto, quase no fim do livro e quando não parava de me perguntar por que se chamava A Passagem, o porquê do título. Mais engraçado ainda foi ter descoberto que este significado estava próximo daquilo que eu suspeitara. Outras situações engraçadas incluem o facto de os sobreviventes à invasão não perceberem, por exemplo, o que faz uma Torre Eiffel em Las Vegas, não saberem o que é uma Coca-Cola e ficarem totalmente espantados quando assistem a um filme. E isto para não falar das analogias que o autor usou para descrever a situação daquele mundo - as histórias de Drácula e da arca de Noé, que se encaixavam perfeitamente no contexto.
O facto de existirem muitas personagens, especialmente a partir da terceira parte, pode confundir um bocado o leitor, é certo. No início, torna-se difícil lembrarmo-nos de quem é quem, mas o autor faz questão de nos relembrar isso mesmo, dizendo, por exemplo, o sobrenome do personagem sobre o qual se está a focar no momento, a sua ocupação ou um detalhe seu ou do seu passado. Podem ser igualmente confusos os precursos que os personagens fazem entre diversas cidades e estados dos Estados Unidos, uma vez que não nos sabemos situar e não sabemos - eu, pelo menos, não sei - o que é que faz fronteira com o quê.
Aquilo de que menos gostei tem somente a ver com a tradução. Por exemplo, o facto de terem usado a expressão, um tanto ou quanto ridícula, fisga-se - para traduzir os damn's do original, talvez -, e de terem usado o verbo "jogar" em diversas situações que não o pediam - como, por exemplo, jogou a mão ao colete ou devíamos jogar as coisas ao fogo. É muito "abrasileirado", e acho que não caíu bem. E isto para não falar de outros erros de tradução que encontrei ao longo do livro - foram pouquinhos, pelo menos, mas, mesmo assim, eram escusados.
A Passagem é...um misto. É acção, aventura e sobrevivência; é épico, fantástico e viciante; é humanos, mutantes que parecem vampiros e algo entre os dois; é destruição, sangue, tiros e morte; é amor, amizade e companheirismo; é ficção científica, mistério e suspense. É algo como o qual nunca tinha lido antes e que me deixou completamente rendida e sem vontade de me despedir do seu mundo catastrófico e das incríveis personagens que conheci. Aguardo o próximo volume com enorme ansiedade e grandes expectativas. Façam um favor a vocês próprios e...leiam isto.